terça-feira, 25 de março de 2014

No meu silêncio

Para Lu e Gabi.

Deitado com a barriga para cima, eu encaixo meus dedos das mãos uns nos outros, formo um círculo no meio e as pouso um pouco abaixo do centro do peito. Já estou segurando o cabo e sentindo a pedra do meio do pomo raspar nos botões da camisa. O guarda-mão é de estanho e se assemelha a uma ponte estaiada cortada ao meio e posta em lados opostos. A lâmina é de aço com o vinco levemente ascendente e o gume não está tão afiado. Sou um cavaleiro sendo velado com uma roupa de honra e minha espada, a companheira de muitos confrontos, sobre uma gelada pedra de mármore. Morto, volto no tempo e me projeto em batalhas sangrentas. Vejo-me de longe sempre, por isso meus oponentes nunca têm seus rostos detalhados. De repente percebo que somos poucos e cansados. Tenho vontade de encontrar um sorriso conhecido por ali. Procuro. Cerro os olhos em busca de um contato que me dê ânimo para continuar. Penso em nomes de amigos que poderiam estar por perto. Dou dois ou três nomes e me convenço de que eles estão comigo. São representações de paz em meio ao sangue que suja tudo: minha barba, meu pescoço, a calça, as luvas e as botas. O sangue suja até a lama. Era num dia de chuva e derrota, a terra estava úmida. Somos um grupo vencido. Perdemos por incapacidade de enxergar. As imagens não têm som e nem cheiro próprio. É um filme mudo e colorido. De longe eu só ouvia as meninas cochichando e dando risadinhas curtas e carinhosas, tal como ninfas no jardim.
De certa forma isso me aliviava, mas por outro lado eu queria continuar lá. De volta ao local do velório solitário, a espada pesa sobre minhas pernas. Isto me dá conforto, como se eu não estivesse sozinho ali. Como se eu pudesse levar alguém conhecido comigo. Algo que me lembrasse quem era eu. A longa capa preta protegia meu corpo frio e desacordado. Por dentro eu sorria esse meu fim.

Abro os olhos ao ouvir o grunhido de madeira seca da porta ao lado da cama. A Luiza pediu desculpa por ter me acordado. Eu contei que não dormira. Ela respondeu dizendo que eu parecia estar morto. E eu estava.


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