segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Aos meus amigos homens

Talvez você nunca acredite de verdade, mas eu te amo. Em certos momentos eu sinto vontade de por tua cabeça em meu colo e afagar seus cabelos enquanto você conta teus problemas ou tuas façanhas. Abraçar você forte e ficar sentindo o calor do teu corpo por mais tempo do que o habitual. Pode ser que eu chore nas primeiras vezes. Ou que você chore. Ou que sorriamos juntos por termos quebrado esta barreira. Imagina? É verdade. Já me imaginei tomando longos banhos contigo, dando risadas como dois indiozinhos que brincam nas águas de um rio. Passar shampoo e poder fechar os olhos sem me importar se você vai aproveitar para, escondido, observar meu pau, por sabermos que pintos são só pintos. Não são ameaças ao nossos sentimentos. Nem motivo de chacota um ter o pau maior ou mais grosso do que do outro. Eu só lamento que algo tão pequeno como um pênis faça tanta diferença no mundo em que vivemos. Esta é uma espécie de vergonha que não há roupa que a cubra. Portanto ficar sem até que não é tão difícil. É sim, eu sei. E se nossos corpos se encostarem qual é o problema? Você pensará que eu quero te pegar. Isto é tão pouco. Ok, eu confesso, eu já quis ou às vezes dá vontade. Porém neste quesito você é só mais um, porque sinto tesão por vários e por algumas. Relaxa. A questão é: porque somos dois homens somos treinados e acostumados a manter certas travas. Temos que ser duros. E não podemos ficar duros um na frente do outro porque "é" sinal de tesão(?).  Eu sinto mais tesão em você falando, me fazendo refletir, pensar, rir, me deslocando do conforto e tornando meus abismos mais palatáveis. E falando rasteiro: teu pau duro nem me interessa. A liberdade não é rija. 
Estamos condenados a protocolos que já não me fazem mais sentido. Por que meu corpo te ofende, repele? Por que o teu teria que me fazer sentir assim? Por que amigos não andam abraçados como bons amantes? Ou só casais de namorados têm esta permissão? Quem nunca viveu uma relação erótica muito menos íntima ou com menos potência do que uma amizade? Onde está escrito que mãos dadas validam emoções, vínculos e verdades afetivas?
Só peço que não tenha medo quando eu tirar minha roupa. Ou quando te abraçar apertado. É uma das minhas formas de me expressar. Pode vir numa ação bem-humorada, mas n
ão é brincadeira. E minhas orientações sexuais não são um convite permanente ao sexo. Ainda que eu faça provocações sobre. Eu gostaria que não houvesse medo só porque gosto de transar com homens e você não. Ou nem porque ambos gostamos de homens.
Somos bons amigos e nossos machismos são um atraso compartilhado.

terça-feira, 12 de agosto de 2014

Dor de dente

"Abancado a escrivaninha em São Paulo / Na minha casa da Rua Lopes Chaves / De repente senti um friúme por dentro.", disse Mario de Andrade. Eu aqui imerso em minha dor do nascimento do siso, pré-idade balzaquiana, me pego pensando em quanto a dor nos tira da condição de humanos e nos iguala à maioria das espécies.  " (...) A vida chega a doer, a enjoar, a cortar, a roçar, a ranger, / A dar vontade de dar gritos, de dar pulos, de ficar no chão, de sair / Para fora de todas as casas, de todas as lógicas e de todas as sacadas, / E ir ser selvagem para a morte entre árvores e esquecimentos (...)" Como dói, Fernando Pessoa, mas não é na alma, é na carne. Nos músculos e nos nervos. O lado direito de minha cabeça pulsa. É uma dor que irradia da gengiva, passa pela ouvido, preenche-o, sobe pela cabeça e desce até a  nuca. Às vezes eu bocejo, não é de sono e nem de tédio, é vontade de imaginar o corpo se espreguiçando após um longo cochilo, e descansado, acorda renovado, pronto para outras. Mas não. A dor está lá encrustada mandando sinais de vida. Sim, dor é vida. Dor é sinal de que tem algo batendo forte dentro de ou lá. É o cérebro dizendo que não esqueceu. "Ei, vai dar um jeito?" Não há jeito para se dar, meu amigo massa cinzenta. Somos um paliativo com pernas. O pessimismo é companheiro da dor indesejada. Caminham lado a lado da cama vazia, da paixão frustada, do filho não quisto, da perda do emprego ideal, das contas que não param de chegar. A dor também é um aviso de que as coisas não vão muito bem. Os doentes estão em todos os lugares, não se engane. O hospital é a obviedade. Estão nos bares, nos altares dizendo sim, no trabalho, batendo no ombro no meio da rua. Dentro dos corpos mornos. Ela riu, ele riu, doentes. Ela chorou, ele chorou, doentes. Não expressou nada, doente. A dor nem sempre se manifesta no gesto. Nem sempre ela grita. Eu mesmo estou racionalizando algo que me corrói. Poderia bater a cabeça na parede ou enfiar uma furadeira pelo ouvido e sujar a sala. Mas não, eu gosto de viver. E isto contempla sentir dor. Dores erotizadas de deixar o capeta com vergonha são dóceis, administráveis, adestráveis. Dores não erotizadas são problemáticas porque nos fragilizam. Logo, eu penso que há felicidade em saber conviver com estes elementos da vida: a pulsação animal da carne e potência humana da racionalidade, que conforme Merleau-Ponty, são intrínsecas.
Neste ínterim, entre o dente que me ocupa e o texto que me incuba, me avisaram que Robin Williams morreu. Acabou a dor de Robin. Que pena. Ou não, nem sempre a gente quer aguentar. Muitos resistem. Persistem pelo medo de não saberem o que vem depois da falta de ar plena. "Ei, vou te deixar em paz", diz a massa cinzenta. Alguns ficam tentando pegar o último respiro como se fossem sobreviventes da seca olhando para um copo com água. Outros pulam de prédios para terminar com toda a confusão. Há dor no excesso e na falta, no prazer intenso e no desprazer encachaçado. 
Os dois comprimidos que tomei não fizeram efeito. Fico pensando se a dor está a leste ou a oeste do meu crânio. Não importa. Só quero acabar com isto, não de uma vez, não a morte. Quero acabar logo com este dente para sentir de novo meus pequenos prazeres e outras pequenas e inevitáveis dores.
PS: como não fui a algum dentista, pode ser tumor. AVC não é porque já coloquei os braços para cima e sorri.