domingo, 22 de dezembro de 2013

Where are you from?



Há uns oito ou nove anos eu fui assistir uma aula na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP) no prédio da Letras. Estava acompanhando um amigo numa aula. Quando entramos o professor não tinha chegado ainda. Sentei na segunda fileira ao lado do meu amigo. Passados dez minutos o professor entra na sala, começa a falar, olha para mim, interrompe o que dizia e pergunta "Você é visitante?", eu como não era um aluno matriculado respondi que sim. "De onde?", continuou. Ingenuamente, falei "Tatuapé". O docente a minha frente, meio sem graça, desculpou-se e explicou que pensara que fosse um estudante vindo de um outro país.

Certa vez no banheiro de uma festa de um hotel de classe alta na Zona do Sul carioca, eu fui interpelado por um estadunidense sorridente me dizendo "Hey, are you indian?", respondi que não, o yankee tentou novamente "Moroccan?", devido a minha segunda negativa, ele com cara de curioso perguntou "Where are you from?". Já meio indisposto em prosseguir com a conversa e tranquilamente secando as mãos, falei "I'm brazilian". Pareceu-me que aquela fosse uma das últimas opções na cabeça do gringo, então ele soltou "WOW! Really??? Nice!"

Hoje fui jantar numa pizzaria de donos argentinos, com clientes argentinos e parte do corpo de funcionários exclusivamente falante só da língua espanhola, também no Rio de janeiro, em Búzios. Uma garçonete brasileira atendeu a mim e ao meu companheiro, pedimos a pizza, mas não decidi no mesmo momento o que eu queria beber. Quando já tinha escolhido, chamei uma das garçonetes e pedi um refrigerante com gelo e limão. Como percebi a incompreensão dela ao que eu tinha dito, repeti. Ela novamente não entendeu e avisou "Desculpa, yo no hablo muy bién portugues", brinquei "No 'tienes' problema, yo no hablo español" e sorri. Em seguida eu ouço "Where are you from?" E senti uma certa surpresa dela ao saber minha nacionalidade.

São três exemplos que fazem parte de uma história cheia de pessoas se questionando, curiosas, espantadas ou admiradas, querendo saber o que um negro, e nesses casos, brasileiro faz em certos locais se não está trabalhando. 
A Universidade de São Paulo em 2013 só teve o total de 2,4% de alunos negros matriculados, sendo que nas carreiras mais concorridas o índice pode chegar a zero. O que faz um homem negro sentado em uma sala de aula dessa grande faculdade pública? Não pode ser brasileiro? Por que a meia dúzia de pretos da FFLCH todos já conhecem? Se for na FAU ou na FEA nem é confundido com estrangeiro, é sinal de perigo.
E o neguinho dividindo o mesmo banheiro da balada com os gringos e a burguesia carioca sem uniforme da equipe da limpeza ou sem terno preto de segurança? Tá com copo na mão, saiu da pista meio suado... tava dançando. Não deve ser brasileiro e se for, joga futebol, né?
Restaurante classe média em Búzios, lotado de estrangeiros brancos, muitos loiros, entrou o negro. Não reconheceram da televisão: Where are you from?

A talentosíssima, estonteante e linda cantora negra Elza Soares, conta de sua primeira aparição na televisão no programa de calouro do Ary Barroso. Vestida improvisadamente, muito magra e notadamente pobre, a menina negra entra no palco em meio às risada e o apresentador pergunta "De que planeta você veio, minha filha?",a resposta seca de Elza foi "Do planeta fome, seu Ary".

"Where are you from?" Pego carona na rabeira da diva e respondo "Do planeta/país da desigualdade racial"

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

8 canções de Amor Livre na MPB

Sabemos que um dos maiores temas da música é o amor, passando pela dor de cotovelo ao desapego, do ideal e ilusório às grandes mágoas. Mas também é inegável que a maioria das músicas narram muito mais o amor romântico do que o amor livre, a poligamia ou o poliamor. O sofrimento, o choro, o ciúme, expectativas irreais e frustração, a procura da outra metade e do "amor verdadeiro", a vingança, a traição, e tantos outros aspectos que o amor romântico inspira compositorxs a escrevem letras que derramam sangue e lágrimas, e cantorxs emocionarem milhões de pessoas com a loucura da paixão, o amor único e a dor do abandono. É muito fácil lembrar e dar exemplos de músicas românticas. É impossível esquecer Fafá de Belém gritando "Abandonaaaaaaaaaaaaaaada por você!/ Apaixonada por você!", Maria Bethânia com "Negue o seu amor, o seu carinho/ diga que você já me esqueceu" ou hit dos anos 90 "É o Amor/ Que mexe com minha cabeça/ E me deixa assim/ Que faz eu pensar em você/ E esquecer de mim/ Que faz eu esquecer/ Que a vida é feita pra viver." Há canções românticas lindíssimas, mesmo com a exaltação do amor idealizado, com suas alegrias e tristezas.
O que não é muito fácil de encontrar são as músicas que cantem outras formas de amar não-românticas, sem possessividade, desejando o bem dx amadx mesmo elx querendo estar erótico-afetivamente com outrxs. E a música faz parte da nossa cultura, nosso imaginário, colabora na construção das subjetividades e das práticas sociais. Então eu resolvi elencar oito músicas que cantem o amor livre, a poligamia ou o poliamor. Para quando você estiver pensando nos seus amores, amantes ou pegas, desejar que eles sejam livres como você. Para cantar junto com xs amadxs, com vários corpos e afetos múltiplos, uma trilha sonora livre da tradição, família e propriedade:

A Maça

Composição: Raul Seixas / Paulo Coelho / Marcelo Motta


Raul canta a potencialidade de um amor livre, porque a dois, fica pobre e se desgasta. Por mais que se venha a sofrer por ciúme, "que é vaidade", o "Amor só dura em liberdade".

Nosso estranho amor
Composição: Caetano Veloso



Esse estranho amor que "Não importa com quem você se deite / Que você se deleite seja com quem for". E se apertar o coração e for ciúme, "Deixa o ciúme passar e sigamos juntos". E Caetano termina dizendo "Lutemos mas só pelo direito / Ao nosso estranho amor".


Poligamia
Composição: George Israel / Paula Toller



Amor plural e sem egoísmo "Meus amores não são / Implicantes
Com meus outros amantes..." e independente do sexo/gênero "Todo homem merece um harém / Toda mulher também...".


Já sei namorar

Composição: Marisa Monte / Carlinhos Brown / Arnaldo Antunes




O maior hit dos Tribalistas é um hino do desapego, da ficada. Lembra aquelas festas ou aquela turma em que "Eu sou de ninguém / Eu sou de todo mundo / E todo mundo me quer bem / Eu sou de ninguém / Eu sou de todo mundo /E todo mundo é meu também" Se alguém "quer apito em jogo", o outro diz "Eu quero é ser feliz!".


Dois amores
Composição: Fátima Guedes



E quando se está amando e de repente surge "Outra boca, outro corpo / Outras mãos...", Fátima Guedes pergunta "Como eu posso amar e tanto assim / Aos dois?" Sem culpa de ter dois amores, reivindica ao primeiro "Não me peça / Pra parar de te querer" e "Se o meu coração / Puder ser de mais alguém / Deixa eu ir, deixa ser / Deixa estar, tudo bem".

O seu amor
Composição: Gilberto Gil





Brincando com o slogan da ditadura militar "Ame-o ou deixe-o", Gil faz uma canção simples, cantada juntos com seus outros três companheiros Maria Bethânia, Caetano Veloso e Gal Costa, os Doces Bárbaros, que fala da liberdade ao amado, o amor livre, solto: "O seu amor / Ame-o e deixe-o / Livre para amar (...) / Ir aonde quiser (...) / Ser o que ele é"

A sua
Composição: Marisa Monte




O fato de pensar e  viver o amor de forma libertária, não significa ausência da saudade. E Marisa Monte canta uma saudade generosa, desejando o bem-estar do amado e que ele saiba "eu te quero sempre em paz (...) Aonde for não quero dor, eu tomo conta de você / Mas te quero livre também / Como o tempo vai o vento vem". 

Samba da Silvia
Composição: Joyce / Silvia Sangirardi







O samba de Joyce, cantando por ela e a grande Elza Soares diz "Quando eu dou, não tomo / Multiplico, não somo / Amo, mas não domo / Sou fada e gnomo". E dá seu recado feminista "Chega pra cá, minha bela / abre os ouvidos, me escuta / devolve logo a costela / toma um rumo e vai à luta!".

Para saber mais sobre música e amor livre, leia o capítulo "Já sei namorar???: as transgressões em temas de amor e sexo na MPB" no livro "História sexual da MPB" de Rodrigo Faour. Parte das músicas elencadas aqui, eu relembrei ou conheci através dessa leitura.

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Finalizo com o excelente texto do Alessandro Martins, que traduz muito do que é ser um poliamorista, poligâmico ou praticar o amor livre. 

UMA VISÃO PRÁTICA E SEM METÁFORAS DE MEUS ATUAIS RELACIONAMENTOS

Amizade.
Sempre amizade.
Baseada em verdade, clareza, gratidão e liberdade.
Tenho vários relacionamentos, mas todas as meninas com que saio sabem como sou, o que podem esperar de mim e algumas delas até se conhecem e já saíram juntas.
Falar a verdade, desde o início, ajuda a aproximar quem gosta do jeito que você pensa e afasta aqueles que não gostam.
E mantém perto aquelas pessoas que gostam de você, independentemente de como você pensa. E essas não se surpreenderão negativamente mais tarde.
Por exemplo, eu tenho relacionamentos muito íntimos com cada uma dessas meninas, mas não poderia dizer que qualquer uma delas é minha namorada.
Não é isso.
Acontece que posso dar a cada uma delas coisas que outras pessoas não poderiam. E outras pessoas dão a elas coisas que eu não poderia.
E cada uma delas dá coisas pra mim que só individualmente dão.
Por outro lado, há coisas que, sozinhas, cada uma delas não dá. E que eu, como ser humano, preciso. E de maneira nenhuma pediria para ela. E, então, busco em outra.
A liberdade entra no que diz respeito a permitir mutuamente essa busca.






terça-feira, 24 de setembro de 2013

Happy Hour

Dentro do carro, ele boceja e vê a fila interminável de automóveis. Motos passam ininterruptamente ao seu lado. As buzinas garantem que ele não cochile. É segunda-feira e ele foi dormir tarde. Os dois filhos teimaram em ir para o quarto e depois foram resistentes para desligar o computador. Em seu quarto quando transou com a esposa, já passava das duas horas. No próximo final de semana vai ser no sábado - ela quer me matar - pensou. Ligou o rádio para saber o que iria conversar na hora do almoço.

Chega no prédio da empresa e olha se está bem ajeitado. Camisa bem passada e cabelo penteado, o crachá estampa no peito o logo do empregador, seu nome e cargo. Terça-feira e já era a segunda reunião da semana. Passa pela nova recepcionista, mira os peitos da moça sem disfarçar. Perto da máquina de café, encontra com outro funcionário, um colega do mesmo setor e comenta "essa aí tem cara de que dá até o cu" e riem. Faz uma aposta de quanto tempo ela iria durar e quantos iriam comê-la. 

Quarta-feira, dia de feijoada, é com os amigos, né? E são cinco. Apesar de ele ser bem popular com o pessoal do serviço. Mas ele só confia nos antigos, os novos estão com essas ideias de gente mole. Ele no alto dos seus trinta e oitos anos não vai ficar se podando para falar na hora sagrada do almoço. Porque ele goza ao dizer que o chefe dá o rabo para travesti. Aliás, tirando os amigos, na verdade verdadeira, o resto é tudo viado, frígida, mal-amada, vagabunda, corno ou broxa. Apesar de desconfiar que um dos seus já forneceu a rosca também.

Barriga cheia dá aquele sono. Começa a contagem das horas para ir embora. Quinta-feira e o filho da puta do corno do caralho do RH quer fazer reunião com os setores? Tá maluco! Mais tarde tem supermercado com esposa (Periga de perder o Jornal Nacional). Lá se vão litros de café para não dormir. O pior é o desarranjo intestinal. Mas ele caga e não dá descarga há mais de uma semana, para zoar a faxineira que não quis pegar o telefone de uma vadia que trabalha para uma outra empresa no andar de baixo. 


São sete horas da noite. Hora de ir embora. Sexta-feira é dia de bar com os comparsa. Vai chegar mais tarde em casa. Dia de alisar a barriga com o copo gelado na mão. Vai com os amigos para o mesmo lugar. Já conhece o garçom. O "Zé", chama assim, mesmo que o nome dele não seja esse, ele acha mais fácil. Lá ele ri de tudo. Fala mal de todos. Pode, enfim, gritar. Lá conta sobre suas transas incríveis e das minas que querem dar para ele. Tira sarro dos amigos e se defende das ofensivas contra seu time de coração. Lá ele se reconhece nas outras mesas. Ele ama o Happy Hour: são oitos horas de trabalho diário, mais uma hora meia no trânsito para ir e duas horas para voltar. Totalizando quase, duras e enfadonhas, cinquenta e oito horas na semana dedicadas ao trabalho. Ele vive a alegria dessas grandiosas três horas antes do sábado com a família. É o Happy Hour dos crachás. Que, é bem sabido, ele só tira quando chega em casa.

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Inspirado em um diálogo que tive com a Patrícia Pimenta.

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Na última terça-feira eu não trabalhei. Fui dormir tarde e acordei com a cabeça doendo. O que eu tinha esquecido é que ficar a tarde toda em casa significava passar a tarde toda ouvindo meus vizinhos adolescentes e seus amigos. Isto quer dizer ouvir as músicas que eles gostam e participar como ouvinte de suas conversas, porque eles falam alto e algumas vezes gritam. São meninos que logo se tornarão homens. Durante as horas que no meu silêncio os escutava trocarem ofensas amigáveis entre eles, eu fui e voltei em lembranças da minha adolescência, principalmente de uma, em específico.
Quando eu estava com 15 ou 16 anos, meu melhor amigo tinha dois irmãos, um mais velho e outro bem novinho, o segundo beirava 3 ou 4 anos de idade. Os amigos do mais velho gostavam de me lembrar da minha homossexualidade, mesmo que naquela época eu não soubesse exatamente o que isso compreendia ou contemplava. Não era incomum que eles gritassem "Oh, viado" do outro lado da rua ou apontassem para as supostas bichas da escola, me incluindo nessa lista. Por mais sofrido que aqueles momentos fossem, eu sinceramente já estava habituado. Doía, doía muito. Mas mais doloroso foi quando certa vez eu passei na frente da casa desse grande amigo meu e seu irmãozinho, sozinho no quintal segurando as barras de ferro do portão, gritou "Viado!". Eu fiquei surpreso. Consternado, mas paralisado. Aquela criança que mal sabia falar direito já usava uma palavra ofensiva contra mim. Não demorou muito tempo para eu descobrir que os amigos de seu irmão mais velho que o tinham treinado para me chamar de bicha e viado quando eu passasse. E eles não escondiam isso, pelo contrário achavam bem engraçado. Um dia, novamente sozinho em seu quintal, o menino me xingou. Eu me aproximei, agachei perto do portão e perguntei se ele sabia o que era "bicha" e "viado". Não respondeu, ficou alguns segundos mudo e correu para dentro de sua casa. Ele não sabia o que significava, mas já atribuía sentidos aos termos. Era algo ruim e que o grupo de amigos do seu irmão mais velho não gostava. 
O treinamento machista começa cedo e dentro dele está a condição de ser homofóbico.

Enquanto conversava com amigos e vias coisas no Facebook, os garotos lá fora constantemente diziam uns aos outros "seu viado", "arrombado", "teu cu", "cê é bicha". Não porque eles desconfiem de fato de suas mascunilidades, mas é assim que comumente se tratam. É assim que a sociedade comunica várias vezes ao dia o que é ser macho, o que é desejável e aceito, como deve-se se comportar. Cresceram ouvindo e aprenderam a reproduzir, tanto para caçoar do amigo quanto para humilhar quem estiver fora do moldes machistas. Nessa fase da vida, os pelos começam a aparecer e tomar volume, a voz muda, o cheiro fica mais marcante, não se sabe muito bem se o pau vai crescer mais ou não (sempre torcemos para que continue a crescer até os 30 anos), se será o último a beijar uma menina ou o primeiro a transar. Essa é a fase em que os homens mais precisam reafirmar sua masculinidade e a linguagem é uma importante ferramenta nesse processo. Aponta-se contra o outro o que não se quer ou que não desejam que vejam em si. Isso não tem a ver necessariamente com teu amigo, vizinho, primo ou professor ser gay ou não. Todo homem sofre homofobia; o homem homossexual sofre mais, é agredido física e psicologicamente, e é assassinado por personificar o indesejável. Mas a homofobia é diária para os homens independente de sua orientação sexual. Desde a piadinha sacana àquela desconfiança do "será que ele é?" no trabalho ou na roda de amigos. 
Desconstruir esse condicionamento opressor demora, principalmente, porque somos ensinados a sermos super-homens. A masculinidade é muito frágil.  Talvez por isso precise tanto ser gritada, reafirmada e reconfirmada com tão alta frequência. A masculinidade machista torna o homem opressor e oprimido ao mesmo tempo. 

Foram naqueles anos em que eu também estava em processo de mudança com os pelos invadindo as áreas mais quentes do meu corpo, que meu amigo, irmão do meio daqueles outros dois, aguentou toda a barra de ser questionado, zoado e provocado por ter a coragem de caminhar do lado de um "viadinho". De frequentar a minha casa e, com pouco tempo depois, aprender a não ter vergonha de dizer que tinha um amigo gay. 
Faz uns anos que os irmãos de meu amigo-irmão me tratam cordialmente, são até gentis comigo. Os moleques do bairro que hoje são adultos como eu, também. Não tenho mais problemas dessa natureza com eles. Acho até que alguns pensam diferente e veem a homo/bissexualidade e as heterossexualidades destonantes da norma com menos preconceito e mais respeito. 
Ao ouvir os meninos lá fora na minha tarde de descanso, eu pensei em como foi incrível e importante ter meu amigo-irmão do meu lado quando éramos adolescentes, do quanto seu apoio foi essencial para eu vislumbrar um mundo diferente e mais libertário, e de como a fragilidade de ser homem machista é cansativa. 

Eu gostaria que se um dia eles lessem esse texto que não se ofendessem. Peço reflexão, senão, respeito.

A homofobia faz do machista algoz e vítima num mesmo corpo. Caçador e presa das subjetividades daqueles que podem ser muito mais do que ter um pinto entre as pernas.

sexta-feira, 6 de setembro de 2013

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Naquela noite que orvalhava nossos corpos nus, o mel entre suas pernas escorreu em minha língua e espalhou um cheiro doce nos pelos do meu rosto. E apesar de serem os homens que geralmente me dão água na boca, foi com o gosto dela que eu fui dormir sem escovar os dentes.
Indo para o trabalho encontro na rua uma amiga do tempo do colégio.
- Oi, querido. Tudo bem? Quanto tempo!
- Tudo bem e você?
- Eu tô bem. Tá trabalhando? Tá namorando?
- Sim, estou namorando e trabalhando.
- Que ótimo. - Ela sorri.
- Mentira. Eu não namoro e estou desempregado.
Dou uma risadinha. Ela reage antagonicamente, põe a mão esquerda levemente sobre meu peito e diz:
- Mas fica tranquilo que tudo vai melhorar.

Nos despedimos e eu fiquei pensando que em 15 segundos de conversas e depois de anos sem nos vermos, ela só queria saber se eu tenho um emprego e um namorado. Geralmente ter um trabalho mediano e alguém para chamar de seu, deixa uma impressão de que a vida caminha bem. Ou esse seja o caminho natural a seguir. Nascidos para trabalhar, namorar, casar e reproduzir, ainda muitos pensam assim. Como se ter uma ocupação de segunda a sexta, das 8h às 17h, e um namoradx fosse garantia de felicidade. Conheço dúzias de pessoas que são infelizes com as horas que dedicam aos seus trabalhos. Gente que namora e vive um rio de dúvidas, transtornos, falta de tesão constante. Mas para o mundo pelo menos não estão sozinhas e estão trabalhando. São ilusões de felicidade, como esta, que se arrastam todas as sextas-feiras para os bares depois de uma semana cansativa, para as camas dos profissionais do sexo que muitxs alugam seus ouvidos e falam toda sorte de maldições sobre trabalho e vida conjugal. O trabalho em vez de ser uma utilidade pública e/ou envolver expectativas e desejos individuais sem destruir seu próprio mundo interior, é apenas uma forma de galgar o degrau da classe social acima, então um "Tá trabalhando?" quer dizer "Tem dinheiro?". Ter alguém para chamar de namoradx, marido ou esposa dá a impressão do mínimo de sucesso afetivo. Estar empregado e ter um namoradx envolve um caldeirão de variáveis. Da frustração à alegria. Porém segue-se aparentemente bem por vestir uma roupa-(anti)social e exibir o crachá no peito na hora do almoço e gastar o dinheiro com o suor amargo passeando com namoradx no final de semana.
O combo máximo é quando na "firma" o indivíduo fala mal dx namoradx e no sábado e o domingo passa horas do dia reclamando do trabalho.

Não é só com 44 semanais e uma aliança no dedo que se tem uma vida, que depois olhando para trás, poderá se dizer que valeu, que foi boa ou minimamente satisfatória. Não mesmo.