quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Na última terça-feira eu não trabalhei. Fui dormir tarde e acordei com a cabeça doendo. O que eu tinha esquecido é que ficar a tarde toda em casa significava passar a tarde toda ouvindo meus vizinhos adolescentes e seus amigos. Isto quer dizer ouvir as músicas que eles gostam e participar como ouvinte de suas conversas, porque eles falam alto e algumas vezes gritam. São meninos que logo se tornarão homens. Durante as horas que no meu silêncio os escutava trocarem ofensas amigáveis entre eles, eu fui e voltei em lembranças da minha adolescência, principalmente de uma, em específico.
Quando eu estava com 15 ou 16 anos, meu melhor amigo tinha dois irmãos, um mais velho e outro bem novinho, o segundo beirava 3 ou 4 anos de idade. Os amigos do mais velho gostavam de me lembrar da minha homossexualidade, mesmo que naquela época eu não soubesse exatamente o que isso compreendia ou contemplava. Não era incomum que eles gritassem "Oh, viado" do outro lado da rua ou apontassem para as supostas bichas da escola, me incluindo nessa lista. Por mais sofrido que aqueles momentos fossem, eu sinceramente já estava habituado. Doía, doía muito. Mas mais doloroso foi quando certa vez eu passei na frente da casa desse grande amigo meu e seu irmãozinho, sozinho no quintal segurando as barras de ferro do portão, gritou "Viado!". Eu fiquei surpreso. Consternado, mas paralisado. Aquela criança que mal sabia falar direito já usava uma palavra ofensiva contra mim. Não demorou muito tempo para eu descobrir que os amigos de seu irmão mais velho que o tinham treinado para me chamar de bicha e viado quando eu passasse. E eles não escondiam isso, pelo contrário achavam bem engraçado. Um dia, novamente sozinho em seu quintal, o menino me xingou. Eu me aproximei, agachei perto do portão e perguntei se ele sabia o que era "bicha" e "viado". Não respondeu, ficou alguns segundos mudo e correu para dentro de sua casa. Ele não sabia o que significava, mas já atribuía sentidos aos termos. Era algo ruim e que o grupo de amigos do seu irmão mais velho não gostava. 
O treinamento machista começa cedo e dentro dele está a condição de ser homofóbico.

Enquanto conversava com amigos e vias coisas no Facebook, os garotos lá fora constantemente diziam uns aos outros "seu viado", "arrombado", "teu cu", "cê é bicha". Não porque eles desconfiem de fato de suas mascunilidades, mas é assim que comumente se tratam. É assim que a sociedade comunica várias vezes ao dia o que é ser macho, o que é desejável e aceito, como deve-se se comportar. Cresceram ouvindo e aprenderam a reproduzir, tanto para caçoar do amigo quanto para humilhar quem estiver fora do moldes machistas. Nessa fase da vida, os pelos começam a aparecer e tomar volume, a voz muda, o cheiro fica mais marcante, não se sabe muito bem se o pau vai crescer mais ou não (sempre torcemos para que continue a crescer até os 30 anos), se será o último a beijar uma menina ou o primeiro a transar. Essa é a fase em que os homens mais precisam reafirmar sua masculinidade e a linguagem é uma importante ferramenta nesse processo. Aponta-se contra o outro o que não se quer ou que não desejam que vejam em si. Isso não tem a ver necessariamente com teu amigo, vizinho, primo ou professor ser gay ou não. Todo homem sofre homofobia; o homem homossexual sofre mais, é agredido física e psicologicamente, e é assassinado por personificar o indesejável. Mas a homofobia é diária para os homens independente de sua orientação sexual. Desde a piadinha sacana àquela desconfiança do "será que ele é?" no trabalho ou na roda de amigos. 
Desconstruir esse condicionamento opressor demora, principalmente, porque somos ensinados a sermos super-homens. A masculinidade é muito frágil.  Talvez por isso precise tanto ser gritada, reafirmada e reconfirmada com tão alta frequência. A masculinidade machista torna o homem opressor e oprimido ao mesmo tempo. 

Foram naqueles anos em que eu também estava em processo de mudança com os pelos invadindo as áreas mais quentes do meu corpo, que meu amigo, irmão do meio daqueles outros dois, aguentou toda a barra de ser questionado, zoado e provocado por ter a coragem de caminhar do lado de um "viadinho". De frequentar a minha casa e, com pouco tempo depois, aprender a não ter vergonha de dizer que tinha um amigo gay. 
Faz uns anos que os irmãos de meu amigo-irmão me tratam cordialmente, são até gentis comigo. Os moleques do bairro que hoje são adultos como eu, também. Não tenho mais problemas dessa natureza com eles. Acho até que alguns pensam diferente e veem a homo/bissexualidade e as heterossexualidades destonantes da norma com menos preconceito e mais respeito. 
Ao ouvir os meninos lá fora na minha tarde de descanso, eu pensei em como foi incrível e importante ter meu amigo-irmão do meu lado quando éramos adolescentes, do quanto seu apoio foi essencial para eu vislumbrar um mundo diferente e mais libertário, e de como a fragilidade de ser homem machista é cansativa. 

Eu gostaria que se um dia eles lessem esse texto que não se ofendessem. Peço reflexão, senão, respeito.

A homofobia faz do machista algoz e vítima num mesmo corpo. Caçador e presa das subjetividades daqueles que podem ser muito mais do que ter um pinto entre as pernas.

2 comentários: