quarta-feira, 30 de abril de 2014

A diferença entre o veado e o macaco

Há quem defenda a ideia de que chamar um gay de veado é o mesmo que chamar um negro de macaco, ou qualquer outro ser humano. Isto, até o momento, eu tenho visto e ouvido de vozes de pessoas brancas. Porque, como colocarei os links no final desse texto, os blogs escritos por pessoas negras e a Sepir (Secretaria Especial da Promoção da Igualdade Racial) se colocam contra a tal campanha publicitária #somostodosmacacos, de Neymar e Luciano Huck.

O jornalista James Cimino do site ladobi, da UOL, escreveu que "os negros poderiam seguir o exemplo do movimento LGBT ao se apropriar do termo 'viado' e esvaziar o sentido pejorativo da palavra macaco". Ele coloca que a comunidade gay ressignificou palavras como bicha e veado/viado e se apropriou do termo, dando outra conotação. Mas eu discordo que as formas de discriminação da comunidade LGBT são equivalentes às que a comunidade negra sofre.
Quando alguém fala veado/viado, quer diminuir a masculinidade do outro, apontar uma prática sexual. Chama-se de veado/viado qualquer homem, mesmo que ele não tenha práticas homoeróticas ou seja homoafetivo. Viado é aquele que não é macho. Mas continua sendo humano.
No caso das pessoas negras, é diferente, por questões históricas. Cimino argumenta sobre a luz de Darwin. É bom lembrar que a eugenia, ciência que se propôs a qualificar as raças humanas, é do mesmo período e oriunda das teorias darwinistas. Através desse pensamento que o nazismo também se fundou. Conde Arthur de Gobineau escreveu "Ensaio sobre a desigualdade das raças humanas" e criou o mito ariano. Chamar alguma mulher ou homem negro de "macaco(a)", é uma tentativa de rebaixar a negritude a uma condição não-humana, irracional, brusca e domesticável. Que está ligado também às cores de nossas peles.

Outro diferencial é que muitos integrantes da comunidade gay, de qual eu também faço parte, se chamam de bicha e viado. É uma convenção interna e não é ofensivo a todos. Nós, negros e negras, não nos tratamos como macacos e macacas. Portanto não queremos que ninguém se sinta autorizado a fazer isso conosco. É ofensivo. ACREDITEM: é ofensivo. Pode ser divertido e libertador para vocês, para nós não é! Desde a infância até a velhice temos que lidar com questões difíceis por termos pele escura e origem africana: da escola, a uma simples ida a um banco, no tratamento médico, no acesso à educação e afins.

É importante salientar que homofobia existe. Obviamente. Que as piadas e os xingamentos feito com a palavra "veado/viado" têm peso moralizante ainda. E muitos sofrem com isso. (Pergunte aos adolescentes se eles já ressignificaram. Saia de São Paulo e vá ao interiores do estado e de outros tantos também. É mais fácil ser gay nas regiões centrais de cidades grandes, como São Paulo)

Eu não vejo e nem concebo essa campanha diminuindo o racismo sentido por nós negros. Não há efetividade. Olhem para a agenda da luta para igualdade racial. Partam dessas demandas e não de qualquer uma sem base ou que reforce o racismo. 

Não somos todos macacos por que macacos são macacos e humanos são humanos.

É muito simpático que pessoas brancas ouçam como pessoas negras sentem e sofrem a discriminação, a opressão e o preconceito. Essa campanha gerada dentro de uma agência de publicidade tem como personagens um negro que não se entende como tal e um branco que quer vender camisetas. Não consultaram os movimentos sociais da luta contra o racismo. Não veem também importância a estes, inclusive porque a rede de televisão a qual esse cidadão serve criminaliza movimentos sociais.

Eu sou negro e gay*, viado e macaco batem diferente nos meus ouvidos e acredito que também para outros negros homo/bissexuais. Um homem negro gay tem muitas outras questões para lidar que um homem branco gay. Faz-se necessário entender isso para qualquer análise que se faça sobre raça e sexualidade.

*Sou homoflexível: prefiro homens e, situacionalmente, mulheres.




Abaixo links de outras opiniões de pessoas negras sobre o assunto:

https://medium.com/p/e026834c509e

http://negrobelchior.cartacapital.com.br/2014/04/28/contra-o-racismo-nada-de-bananas-por-favor/

http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/cidades/2014/04/28/interna_cidadesdf,425046/somostodosmacacos-reforca-estereotipos-diz-secretario-da-igualdade-racial.shtml

http://blogueirasnegras.org/2014/04/29/a-babanizacao-do-racismo/

https://www.facebook.com/jenyffer.nascimento/posts/771572529541010?fref=nf

https://www.facebook.com/photo.php?fbid=10203569888709510&set=a.2181557100160.224329.1283925839&type=1&theater


Outras vozes:

https://br.noticias.yahoo.com/blogs/alex-antunes/os-bananas-e-o-coxinha-135849449.html

http://www.brasilpost.com.br/helena-de-angelo-e-lizo/mais-uma-plaquinha-levanta_b_5228531.html





3 comentários:

  1. Ah, mais uma coisa: Neymar não se identificava como negro porque nunca tinha sofrido racismo na pele, até 15 dias atrás.

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  2. Oi Adriano, vamos lá. Eu li seu texto e discordo de você quando você diz que os preconceitos são diferentes e que chamar alguém de viado é menos desumanizante que chamar alguém de macaco. Acabei de dizer para a leitora Gisele aqui em cima que, embora com configurações diferentes, a origem do preconceito contra gays, negros e mulheres tem uma origem comum: a religião. Embora o preconceito contra negros tenha se estendido em um momento da história à comunidade científica, ele foi justificado economicamente e endossado pela religião. Nos efeitos, o preconceito contra essas três classes de pessoas também é o mesmo: a bestialização e a desumanização. Macaco, piranha, galinha, viado são todos animais/bestas, certo? Aí você diz que quando se chama alguém de viado você está se referindo apenas à masculinidade, mas que as pessoas ainda te reconhecem como humano. Mentira. As pessoas te reconhecem como uma besta dominada pelo instinto/vício pelo sexo. Tanto é verdade que os fundamentalistas religiosos quando querem justificar a proibição do casamento igualitário usam a seguinte frase: “Daqui a pouco vai ter gente querendo se casar com cachorro, com gato…” As lutas contra o preconceito têm todas o mesmo objetivo: o direito à igualdade de direitos, por isso que digo que não existe a luta dos negros, dos LGBT, das mulheres. Existe apenas uma luta. E enquanto os oprimidos não se conscientizarem disso e ficarem setorizando e comparando sua dor para ver quem sofre mais e quem sofre menos, a vida dos gays, dos negros, das mulheres continuará patinando nos mesmo equívocos históricos. Luta política não depende de autorização dos movimentos porque os movimentos não são donos do ativismo, que pode ser coletivo ou individual. Eu continuarei a bestializar o ser humano sem qualquer distinção enquanto ele continuar a se comportar como uma besta, porque não é o título de ser humano que vai nos tornar humanos, mas nossas atitudes. E se um dia eu vir alguém chamando um negro de macaco, vou virar e dizer: “Cala essa boca porque você também é macaco, ô branquelo, todos os homens são, então fica na tua que se você disser essa boca é minha eu chamo a polícia.” P.S.: A questão aqui, embora eu tenha usado a alegoria do Darwin, não é biológica, é semiótica.

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  3. Outra coisa: talvez você não se ofenda tanto quando te chamam de viado exatamente porque nós viados nos apropriamos do termo. Pra mim a expressão remete diretamente à série "Planeta dos Macacos", que é uma alegoria a nossa condição selvagem.

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