sexta-feira, 9 de maio de 2014

Aracnofobia

Lembro de ter começado numa segunda-feira. Ele nos disse que o mundo estava infestado de aranhas. "Elas aparecem uma aqui, outra ali e de repente tomam conta de nossas casas", falava coisas desse tipo. No primeiro mês tivemos que conviver com duas dedetizações. Às vezes depois do almoço ele narrava seu novo nojo por aqueles bichos: a quantidade de patas, os olhos, a teia, o caráter traiçoeiro. Negava os estudos biológicos da espécie, dizia que todas eram venenosas, "Não existem artrópodes, é uma farsa, elas são cem por cento quelíceras".

Éramos dez no escritório. Certa tarde nos reuniu para avisar das mudanças que iria fazer nos setores e horários. As quatros mulheres que trabalhavam conosco, ficariam em uma mesma sala, entrariam mais cedo e 
almoçariam juntas, antes das onze da manhã. Quase não houve tempo para deliberações. Quando ia iniciar um bate-boca. Ele, esfregando as mãos, nos cortou: ou é isto ou peçam as contas. Uma das meninas gritou dizendo que aquelas alterações eram absurdas e não trabalharia, para ele, nem mais um minuto. No final do dia o viram passando veneno contra insetos nos cantos da parede.
Ele nunca entrava na sala "feminina" e tinha passado a evitar reuniões com as mulheres. Pedia que nós falássemos com elas. A tensão criada por suas estranhas atitudes, instalara um ar frágil no ambiente. Uma das três restante entre a maioria masculina, também pediu as contas, se sentia humilhada, chegava a ter crises de choro quando me dava carona voltando para casa. Ela ainda mora perto de mim.

No dia seguinte à saída da segunda mulher, encontramos a sala delas pintada de roxo. Foi seu mais abjeto golpe de terror dentro de sua caça. Elas gritaram, choraram e prometeram processá-lo se ele não parasse com aquelas esquisitices. Foi em vão. Ele parou de ir ao escritório. "Vou trabalhar de casa enquanto eu não estiver em segurança".
Ontem elas vieram arrumar suas coisas e se despedirem de nós. Contaram que ele pediu para o irmão ligar e fazer um acordo, ambas aceitaram porque além de receber todos seus direitos, ele depositaria dez mil reais a mais para cada uma.

Ao passar pela portaria, hoje, me disseram de forma jocosa fazendo uma aranha com as mãos "Ele tá aí". Cheguei aqui e parece que tudo voltou ao normal. Paredes brancas em todos os ambientes, não tem mais armadilha de aranha pelos cantos e nem o leve cheiro de veneno que já me acostumara. Ele sorri dentro de sua sala de vidro. Meus novos companheiros de trabalho são quatro rapazes solteiros com todo frescor da tenra idade de quem acaba de ingressar na faculdade.

Nunca houve uma aranha sequer nesse lugar. Raramente aparece uma barata. Tentamos falar que aquele aparato anti-aracnídeos era uma loucura. Fomos nos envergonhando de suas manias. Mas o boato é que ele adquiriu aracnofobia depois que sua esposa exigiu a separação e foi morar em outro apartamento no mesmo prédio que eles moram, junto com suas duas filhas.

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