quarta-feira, 18 de junho de 2014

Vestígios

​O ponto de ônibus. O número do ônibus. O caminho do ônibus. Aquela música. Aquela frase da música que cantávamos juntos. As flores que você me deu. As viagens que fizemos. Os aeroportos, as rodoviárias. A cor do teu banheiro. As toalhas que usei. Os banhos juntos. As risadas ensaboadas. Os risos secos. As mensagens de texto: sms, whatsapp, e-mail, bilhetes, recados e cartas. Os amigos em comum. Aqueles amigos que eu te apresentei. Os outros que você me apresentou. As fotos em que te vi antes de nos conhecermos. As vezes que você me perguntou se eu estava bem. Se eu estava melhor da gripe. E você me deu bronca porque eu não como direito. As noites de muitas conversas sem ver o tempo passar. Os gozos tão íntimos e pouco secretos. As discussões filosóficas. O aprender e o desaprender. As quebras de paradigmas. Acordar junto. Acordar pensando como seria bom se estivéssemos juntos. Acordar, olhar para o lado e ver tua cara inchada, a boca aberta e dizer a mim mesmo "Eu te amo". Os livros na estante. As páginas lidas em voz alta. As palavras dentro de mim. As promessas cumpridas e as que nunca serão. As taças de vinho tingindo a língua. As cervejas geladas. Os vômitos no banheiro. O barulho da descarga. O teu sorriso. A tua falta de sorrisos. O chão pisado. Descalço. Os presentes que me dera. Os presentes que eu nunca te dei. Os dias contados, calculados para te ver. E os que planejei para não te ver. Cada centímetro do teu corpo que percorri, vasculhei. A força que eu empreguei. A doçura com que você devolveu. A quantidade de porra e de saliva que saiu de mim. Os cheiros, os odores. O calor do corpo na cama. Os desenhos do lençol bagunçado. As chaves da tua casa. O número do teu apartamento. Os passos entre elevador e a tua porta. Entre tua porta e teu lábios. E teus braços. Tudo isto que dói quando decidimos que acabou. A vontade de amaldiçoar aquele álbum de fotos e de música que faz sentir saudade e aperta com a força de uma pisada o coração. O fim de um relacionamento mácula todos os teus vestígios. Os meus vestígios. Cada detalhe de nós, amarga nossos olhos depois do fim. Mas eu faço a escolha de não só sentir o gosto do fel. Eu quero comemorar todas as lembranças. Brindar o gostar e o amar. Quero sorrir para minha tristeza de não te ter mais e dizer "Está doendo porque foi bom." e que maravilha que foi prazeroso, enriquecedor, pulsante. Essas lágrimas vertem a ferida aberta da perda. Mas são águas que inauguram novos caminhos. Não faço uma ode à execução sumária da tristeza e nem ao imperativo da alegria. É que, sinceramente, não vou me furtar de estar feliz por tantas coisas belas. Mesmo que haja falta de sorrisos. Eu só quero comemorar a oportunidade de ter contigo. E olhar os pontos finais com generosidade. 
Aos amores que já tive e tenho, às relações e relacionamentos que finalizam, começam e recomeçam. Ao amor ímpar que eu senti, aos amores tão diversos que estão em mim. A oportunidade de me relacionar com você e você e você e você e você e você... Obrigado!

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