segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Flores

Andando sob a sombra das nuvens carregadas de um dia nublado, pensou o quanto aquele cinza refletia o silêncio morno que o espelhava há tanto tempo. No chão duro da calçada úmida, seus passos ritmados caminhavam para uma possibilidade de uma primavera verdadeira ou quem sabe, com sorte, um verão intenso. O encontro, como outros já passados, era mais uma tentativa de subir a temperatura de sua vida cheia de esperanças calculadas. Dez, vinte, foram alguns não contados, ou pela falta de racionalidade ou pela rapidez do momento. Os que ficaram guardados tinham impresso em sua memória choques físicos, abalos cardíacos e decepções agora engraçadas. Os pequenos pontos coloridos na árvore eram a matemática precisa de um universo de luz dentro da mediocridade da copa naquele exato cenário de sua vida. São flores? A buzina do carro o despertou para os mecanismos da cidade e ele viu que estava próximo. De mais um outro, de mais uma imensidão de dores, expectativas, medos e símbolos que os corpos carregam. Resolveu parar e acender um cigarro. O gosto acre na boca esfumaçada misturado com o cheiro do perfume na roupa, talvez dessem um tom de segurança de alguém que conhece os meandros das ruas e dos quartos furtivos dos motéis. Como quem diz que seja qual for este desfecho, estará firme. Os calos nas mãos deixam o tato menos sensíveis. Antes construía castelos rapidamente, em poucas horas. Porém foi constatando que aqueles castelos vazios eram apenas cheios de si e que a brutalidade da paixão hollywoodiana, no cotidiano, devastava não só a ele mesmo, mas a chance de uma experiência mais generosa. Na verdade, a grande questão era mais complexa que a sorte ou azar de dentro de um cassino. Este jogo é mais perigoso: a transição de paradigmas sobre as relações lhe coloca em posição de xeque-mate desde o primeiro “oi” até as últimas palavras ditas. Como vivera pouco ainda, tinha a sensação que tanto a entrega como a cautela tinham preços muito caros, o que fazia dele um equilibrista dos afetos. E ele não sabia qual resultado isto daria quando se encontrasse já um velho de circo. Será que são assim os começos de século? A cueca nova e cheirosa, os pelos aparados e a camisinha no bolso não contrasta com questionamentos profundos. A ideia de promiscuidade é uma forma de guilhotinar não só o direito dos desejantes, mas também de empobrecer e encarcerar o universo de quem assim é condenado. Checou rapidamente os bolsos. Estava pronto para iniciar o contato pessoal e intransferível que é tornar-se alguém novo e vice-versa. Ajeitou as calças com as mãos. Sorriu-se.
Quem o esperava estava há alguns metros de distância. O homem olhava para cima. Só virou a cabeça quando ele chegou bem perto e perguntou “São flores?”.

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