segunda-feira, 6 de julho de 2015

O encontro

     


     Se ele não soubesse, talvez, não tivesse ido. O frio da rua já prenunciava certo cuidado ao sair de casa. O vento assoviava na janela e balançava as árvores lá embaixo. Ficou perdido no tempo olhando o infinito nublado do céu e as poucas pessoas, a caminhar nas calçadas, com as mãos nos bolsos ou apertando os braços contra o corpo. Quem o olhasse diria que ele estava em paz consigo, mas a paz e a contemplação são essencialmente distintas. O olhar parado e a respiração tranquila não transpareciam as dezenas de dúvidas que fervilhavam dentro dele. Vestiu-se sem tomar o banho quente que o inverno pede antes de se expor aos dias de julho. Há momentos que a quebra de rotina comunica sem dar por si. No elevador, acompanhou, atento, os números decrescerem e quando a senhora simpática do quinto andar entrou, respondeu “bom dia” assentindo com a cabeça. Ela cheirava um doce perfume floral que contrastava com o clima, por segundos uma leve esperança boba passou por ele de que lá fora o sol poderia estar aquecendo a praça, o chão com algumas cores vivas das flores caídas e mãos se ocupando de outra coisa sem ser a proteção do frio. Sua boca disse “obrigado”, a senhora perfumada, sem entender, apenas sorriu. 
      O local combinado na segunda esquina descendo a rua do prédio em que morava. A cada passo dado em direção ao encontro, sua mente montava, rearranjava e reorganiza seus argumentos.  Explicar tudo aquilo num tempo tão curto seria uma missão quase impossível. Um pouco de tristeza tomou-lhe ao pensar o quanto ultimamente horas pareciam segundos. Porém, não havia mais como adiar e nem tentar dizer que não tinha sido daquele jeito. Inclusive porque estava cansado demais para não por as cartas na mesa. Sim, ele tinha feito por anos. A culpa do começo, há muito, já dava lugar a uma espécie de falta de vontade, não por remorso, mas pelo prazer desgastado. O tempo empoeira tudo e nem aquele vento veloz tiraria a camada cinzenta aprofundada nele e nem apagaria o acontecido.
     Parado, aguardando o outro chegar, tomou um susto no primeiro tiro que atingiu sua panturrilha e o dobrou de joelhos sobre o caminho empedrado; no segundo, que atravessou seu pulmão direito, pensou que deveria ter tomado banho e quando a terceira bala furou seu crânio lançando sua cabeça direto ao chão, soando um barulho oco e grave, ele sentiu cheiro o ar perfumado de flores, como se fosse primavera. 

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